A atividade de acesso por corda no Brasil está bem estruturada e hoje podemos afirmar que as legislações, assim como as normas técnicas, são completas e detalhadas possibilitando segurança para aqueles que seguem os requisitos descritos. Internacionalmente existe apenas uma norma sobre o assunto, a ISO 22846 que aborda sobre o sistema de acesso por corda. Esta norma possui duas partes: Princípios fundamentais para um sistema de trabalho e Código de prática.
Por ter um caráter internacional traz requisitos gerais e cita que a aplicação da norma deve estar em harmonia e respeitar as normas e regulamentos de cada país. No Brasil, temos uma norma que trata da certificação de profissionais, a ABNT NBR 15.475. Essa norma apresenta os requisitos de certificação de pessoas que atuam no acesso por corda e detalha todo o processo, desde os requisitos de aptidão física até o detalhamento dos exames de qualificação teóricos e práticos.
Temos também a norma ABNT NBR
15.595 que descreve o procedimento para aplicação do método, referindo-se ao acesso por corda. Ela estabelece as regras e traz orientações aos profissionais e empresas que utilizam esta prática a fim de garantir que a atividade aconteça com eficiência e segurança.
É importante salientar que no Brasil, além das normas ABNT, temos uma norma emitida pelo Ministério do Trabalho que regulamenta o exercício da atividade, que é obrigatória e é aplicável a todas as empresas e profissionais que executam ou contratam os serviços de acesso por corda. A Norma Regulamentadora nº 35 aborda o trabalho em altura e possui um anexo que detalha os requisitos para a atividade de acesso por corda. Toda essa estrutura de normas e regulamentos foi construída ao longo dos últimos 10 anos. As normas ABNT NBR 15.475 e 15.595 foram aprovadas em 2007 e 2008 respectivamente. A NR 35 foi aprovada em 2012, entretanto, o Anexo 1 que trata especificamente da atividade de acesso por corda foi aprovado em 2014.
É possível afirmar que todos os profissionais que seguem estas normas e regulamentos, executam de forma segura a atividade de acesso por corda. Contudo, por desconhecimento ou por negligência muitos profissionais e empresas não cumprem todos os requisitos, como é o caso dos que executam a atividade sem a devida certificação. Realidade esta que possui diferenças dependendo do segmento de atuação. A implementação do Anexo 1 da NR 35 já é uma realidade, por exemplo, no setor petróleo/petroquí-mico. Neste setor, a Petrobras, muito antes de 2007 e da publicação das normas e regulamentos, já exigia a certificação em acesso por corda, como uma forma de garantir mais segurança nas operações.
NO TRABALHO
O acesso por corda conforme a defini-ção da norma ABNT NBR 15.595 é “uma técnica de progressão utilizando cordas em conjunto com outros equipamentos mecânicos para ascender, descender ou se deslocar horizontalmente no local de trabalho, assim como para posicionamento no ponto de trabalho”.
O Anexo 1 da NR 35 complementa que “Além da definição do termo, outro aspecto fundamental sobre o acesso por corda é a necessidade de o profissional, ao aplicar esta técnica, utilizar sempre duas cordas em sistemas de ancoragem independentes, de modo a evitar uma queda em caso de falha de um destes”.
O Manual de Acesso por Corda publicado em 2016 pela Abendi explica que o acesso não é uma atividade-fim e sim um meio para a realização de vários tipos de trabalhos, sendo que entre os mais frequentes estão: trabalhos de pintura, Ensaios Não Destrutivos, de isolamento térmico, manutenção e limpeza. No entanto, muitas vezes, surgem dú-vidas sobre alguns trabalhos que são realizados e se devem ser enquadrados como acesso por corda. Com o objetivo de eliminar eventuais dúvidas, a Norma Regulamentadora nº 35 em seu Anexo 1 deixa explícita as atividades que não são enquadradas como acesso por corda. São elas: atividades recreacionais, esportivas e de turismo de aventura; arboricultura; serviços de atendimento de emergência destinados a salvamento e resgate de pessoas que não pertençam à própria equipe de acesso por corda.
Essas atividades possuem várias especificidades que precisam de atenção, mas não são objeto das normas citadas e não são classificadas como acesso por corda.
Outra ação que pode gerar dúvida é em relação a atividades em plano inclinado como trabalhos em taludes, telhados, silos, etc. A definição se este tipo de trabalho se aplica à técnica de acesso por corda ou não, deve ser baseada na análise de risco para cada situação conforme mostra a Figura 1, Trabalho em plano inclinado.
CERTIFICAÇÃO
A atividade de acesso por corda exige habilidades e conhecimentos específicos do profissional que a executa. Além disso, é muito importante que a empresa ofereça condições adequadas em relação a equipamentos e controles. Para auxiliar na implementação de todas estas “condições gerais” a certificação dos profissionais é dividida em três níveis. O nível 1 é a certificação inicial com foco na operação, enquanto o nível 3 é o mais avançado com foco na supervisão. As atribuições de cada nível estão descritas na norma ABNT 15.475, mas de forma resumida podemos definir as seguintes atribuições conforme o nível de qualificação e certificação:
- Profissional Nível 1 – responsável pela inspeção de todo o seu equipamento pessoal, realiza manobras com grau de dificuldade compatível com sua certificação sob a orientação de um N2 ou N3. Este profissional pode participar de resgates sob a supervisão do profissional N3.
- Profissional Nível 2 – além das habilidades do primeiro nível, possui treinamento de primeiros socorros; conhecimento de legislação, dos requisitos de segurança e dos procedimentos relativos ao acesso por corda. O profissional N2 participa da supervisão dos profissionais N1 podendo ter um papel relevante em situações de resgate.
- Profissional Nível 3 – além das habilidades dos dois níveis acima (N1 e N2), o profissional N3 assume a responsabilidade de planejar e de executar trabalhos; tem larga experiência em técnicas de trabalho por acesso por corda e bons conhecimentos sobre análise de risco e legislação. Possui, também, conhecimento avançado de técnicas de resgate.
DIFICULDADES
Como ocorre em várias atividades, o desconhecimento ou a ausência de uma cultura voltada à segurança é o principal problema encontrado na implementação da atividade que envolve acesso por corda em vários segmentos. É preciso ainda convencer muitos empresários de que a execução correta e a preocupação com a segurança podem representar vantagens competitivas e muitas vezes representar melhores resultados financeiros. Recentemente em um programa de TV veiculado em horário nobre, foi apresentado um documentário sobre a estrutura que o Santuário de Nossa Senhora Aparecida, na cidade de Aparecida/SP, necessita ter para atender a grande quantidade de fiéis que recebe diariamente. Um dos locais mais visitados é onde fica a imagem da Santa. A reportagem cita a atividade diária exercida por um profissional responsável pela limpeza do local. Devido à altura é necessária a utilização do acesso por corda. O jornalista foi convidado a acompanhar o trabalho de limpeza e acabou executando a atividade de acesso por corda sob o olhar de milhões de telespectadores que podem se interessar em utilizar técnica semelhante. Entretanto, pela legislação atual, somente após passar por um treinamento, possuir um ASO (Atestado de Saúde Ocupacional), ser aprovado em exames de qualificação e finalmente ser certificado, poderia executar o acesso por corda. Um caso como este pode passar a impressão de que qualquer pessoa pode executar este tipo de atividade. A reportagem em nenhum momento citou as exigências ou cuidados e a necessidade da certificação. Ficou claro que o profissional executa a atividade quase que diariamente na Catedral Basílica de Nossa Senhora Aparecida, e que evidentemente há problemas de segurança, uma vez que um repórter acabou executando a atividade de acesso por corda. Ficou ainda a dúvida se aquele colaborador da Basílica atende a todos os requisitos do Anexo 1 da NR 35 em sua atividade diária.
Podemos ainda citar o caso de empresários que deliberadamente negligenciam o cumprimento dos requisitos contratando profissionais sem a certificação, apenas com o objetivo de reduzir custos. Ações como esta ou de não fornecer os equipamentos adequados de proteção individual, podem representar grandes riscos à vida dos trabalhadores e muitas vezes prejuízos financeiros às empresas responsáveis.
Mesmo as empresas que adotam as práticas exigidas pela legislação, podem errar quando o objetivo for somente atender os requisitos com foco na documentação. Muitas vezes há vários procedimentos internos, formulários, execu-ção periódica dos exames médicos, entretanto, pouca preocupação em fazer o melhor voltado à prevenção dos riscos e conscientização de todos os envolvidos. A segurança dever ser o resultado do cumprimento dos requisitos mínimos, o acompanhamento e a conscientização.
REGULAMENTAÇÃO
Voltando à questão das normatizações, a NR 35 regulamenta e traz todos os requisitos para a execução da atividade do trabalho em altura, tendo em seu Anexo 1, os requisitos específicos para o trabalho em altura executado com a técnica do acesso por corda. Para definir as boas práticas e os requisitos de certificação, a ABNT por meio de uma comissão de estudos elaborou duas normas técnicas, respectivamente, a ABNT NBR 15.475 e a ABNT NBR 15.595. A primeira contendo os requisitos para a certificação dos profissionais nos níveis 1,2e3easegunda norma detalhando o procedimento de execução da atividade de acesso por corda.
A NR 35 regulamenta o serviço de trabalho em altura e especificamente sobre o acesso por corda foi criado o Anexo 1. Todos os trabalhadores que desempenham atividades em altura devem atender aos requisitos desta norma e aqueles que além de trabalhar em altura, executam a atividade de acesso por corda devem atender ao Anexo 1 desta mesma norma.
O Anexo I da NR 35 aborda sobre os aspectos mais importantes que os profissionais de SST das empresas precisam estar atentos tais como: certificação dos trabalhadores, treinamentos iniciais e periódicos, inspeções importantes a serem feitas antes do trabalho, orientações e resgate.
Para executar as atividades de acesso por corda os profissionais precisam estar devidamente certificados como N1, N2 ou N3 conforme as suas atribuições. Essa certificação deve ser conduzida por um organismo acreditado pelo Inmetro conforme a norma internacional ISO 17024. A Abendi (Associação Brasileira de Ensaios Não Destrutivos e Inspeção) foi o primeiro organismo acreditado por esta norma para certificação de profissionais em acesso por corda. Hoje temos mais dois organismos no Brasil e um na Noruega, acreditados conforme a ISO 17024. Esta ação que aconteceu no Brasil, trazendo critérios internacionais para os Organismos de Certificação de Pessoas em Acesso por Corda, foi uma novidade, e trouxe para a certificação mais transparência, credibilidade e padronização.
Entre outros requisitos descritos na referida norma está a isenção que o Organismo deve possuir em relação às partes envolvidas. Para dar um exemplo, um proprietário de uma empresa de treinamento ou de serviços de acesso por corda, não pode fazer parte da alta direção do Organismo de Certificação para evitar possíveis conflitos de interesse. Essa preocupação é para garantir que o organismo de certificação represente a figura de “terceira parte”. Ou seja, uma empresa que possui independência em relação ao profissional e à possível empresa que irá contratá-lo.
Para obter a certificação, o profissional deve atender a vários requisitos descritos na norma ABNT NBR 15475. Entre eles: a realização de um treinamento (40 horas para nível 1e2e48 horas para N3); possuir Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) e obter resultado satisfatório em exames teóricos e práticos. Para a certificação como nível 2e3é necessário, também, a comprovação de experiência profissional e uma quantidade mínima de horas na execução de atividades de acesso por corda. Para garantir a manutenção dos conhecimentos e habilidades, a cada três anos, os profissionais devem submeter-se a novos exames conhecidos como exames de recertificação.
EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA
Para que a atividade apresente a segurança desejada é essencial observar alguns cuidados com os equipamentos necessários. Cinto tipo paraquedista, descensor, capacete, trava quedas e é claro as cordas são itens obrigatórios na atividade de acesso por corda (ver Figura 2, Equipametnos utilizados na atividade). Além destes, existem outros acessórios utilizados como cintas de aproximação, polias, etc.
Todos esses itens devem ser certificados por normas nacionais ou na sua inexistência por normas internacionais. Os equipamentos devem ser inspecionados antes da sua utilização e periodicamente para eliminar a possibilidade de utiliza-ção de equipamentos com defeitos. Para garantir a rastreabilidade os equipamentos devem possuir marcação individual.
Um procedimento de verificação dos equipamentos deve ser implementado por um profissional nível 3 e durante essa verificação devem ser analisados aspectos como desgaste, avarias, funcionamento adequado, rastreabilidade, armazenamento, entre outros.
Uma pergunta frequente é quanto aos cuidados que os técnicos e engenheiros de segurança devem ter quando contratarem atividades que envolvam o acesso por corda. Para responder a dúvidas deste tipo é interessante ressaltar três pontos do Anexo 1 da NR 35 que tratam da execução da atividade, dos equipamentos e cordas e da equipe de trabalho. Todo profissional, trabalhador e principalmente quem atua como técnico e engenheiro de segurança, deve conhecer a norma, incluindo a versão comentada, que esclarece vários pontos que poderiam gerar dúvida.
EXECUÇÃO
No que se refere à execução de trabalhos que exigem o acesso por corda é necessário observar alguns itens essenciais:
Procedimentos em conformidade com as normas técnicas nacionais vigentes A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) foi reconhecida por meio da Resolução Conmetro nº 7, de 24 de agosto de 1992, como o único foro nacional de normalização e representante nos foros regionais e internacionais de normalização. Na execução das atividades com acesso por corda devem ser utilizados procedimentos técnicos, conforme estabelecido na norma NBR 15.595 Acesso por Corda – Procedimento para Aplicação do Método.
- Trabalhadores certificados conforme normas técnicas nacionais de certificação de pessoas Os profissionais de acesso por corda devem ser certificados em conformidade com a NBR 15.475 – Acesso por corda – Certificação e Qualificação de Pessoas, criada em abril de 2007 e a certificação brasileira está em vigor desde 2008. Esta norma da ABNT está baseada na norma ISO/IEC 17024 de Avaliação de Conformidade – Requisitos gerais para organismos que realizam certificação de pessoas. A certificação em qualquer modalidade pressupõe o preenchimento de pré-requisitos relacionados ao grau de escolaridade, aptidão física, capacitação e/ou experiência profissional e avaliação independente realizada por entidade acreditada.
- Equipe constituída de pelo menos dois trabalhadores, sendo um deles o supervisor Na atividade de acesso por corda é obrigatório o uso de no mínimo dois profissionais, dependendo do nível de risco do trabalho. Podem ser utilizados três ou mais profissionais, sob supervisão direta ou remota, dependendo do risco avaliado.
Com relação à equipe, precisamos destacar que, dependendo dos trabalhos a serem realizados, a atividade pode ser classificada como trabalhos verticais simples ou complexos. Normalmente é classificado como supervisor o profissional de acesso por corda nível 3, devido à sua formação, experiência e habilidades comprovadas por meio da certificação. Mas, em alguns casos, considerados como trabalhos verticais simples e realizados em ambiente urbano, o supervisor pode ser o profissional de acesso por corda nível 2.
Para trabalhos complexos como aqueles realizados em espaços confinados, trabalho sobre água, tirolesa entre outros, é obrigatória a atuação do profissional nível 3 de acesso por corda efetuando a supervisão direta.
OUTROS CUIDADOS
Sobre a certificação é preciso dizer que para todos os níveis existem exigências de escolaridade, treinamento e aptidão física (ASO). Para os níveis 2 e 3, adicionalmente, é preciso comprovar experiência profissional. Assim como em qualquer trabalho em altura, deve ser feita uma análise em relação a problemas físicos que possam colocar em risco quem executa a atividade. O médico é o profissional que fará esta análise e para tanto solicitará vários exames e testes. O profissional que contrata e fiscaliza as atividades deve preocupar-se em verificar se o ASO foi emitido adequadamente, incluindo a necessidade de estar explícito no atestado a aptidão física para trabalhos em altura.
Os equipamentos devem receber aten-ção diária de todos os profissionais que executam o acesso por corda. Em rela-ção aos técnicos e engenheiros de segurança é recomendado foco especial nos seguintes itens considerados essenciais: equipamentos e cordas devem atender às normas técnicas nacionais ou na sua ausência devem estar de acordo com normas técnicas internacionais; EPIs abrangidos pela NR 6 requerem o CA (Certificado de Aprovação); equipamentos e cordas devem ser inspecionados antes da sua utilização e com periodicidade mínima de seis meses.
De forma geral, garantir a segurança no acesso por corda significa estar atento aos conhecimentos e habilidades dos profissionais envolvidos na atividade de acesso por corda, além de utilizar equipamentos e EPIs devidamente aprovados e verificados. Mas para que as atividades aconteçam dentro dos padrões de segurança e de um planejamento, é importante a participação efetiva dos técnicos e engenheiros de segurança e do profissional nível 3 de acesso por corda na discussão sobre a Análise de Risco.
Outro ponto importante não abordado neste artigo é o sistema de ancoragem. O Anexo II da NR 35 publicado pelo Ministé-rio do Trabalho em setembro de 2016 trata deste assunto e deve ser aplicado nos trabalhos em altura, sendo fundamental a participação do profissional legalmente habilitado na identificação, seleção e dimensionamento dos pontos de ancoragem. Vale leitura e interpretação específicas sobre este assunto pois independente da atividade ser classificada como acesso por corda ou simplesmente trabalho em altura, o ponto de ancoragem deve ser adequadamente selecionado para garantir a segurança na operação ou mesmo na ocorrência de acidentes.
Fonte: Revista Proteção