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PREVENÇÃO A BORDO

Em meio às expectativas e incertezas que precedem toda troca de governo foi publicada em dezembro do ano passado uma nova Norma Regulamentadora. Voltada à Segurança e Saúde no Trabalho em Plataformas de Petróleo, a NR 37 vem para regulamentar com maior especificidade um dos setores que mais movimenta a economia do País e que, anteriormente, era contemplado no Anexo 2 da NR 30 (Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário).

Dedicando um tópico para tratar das capacitações em SST necessárias para todos os colaboradores embarcados, a norma também apresentou outras novidades, abordando a proteção contra radiações ionizantes e as questões de segurança e saúde a serem observadas em instalações desabitadas. Ainda ampliou o tópico que trata da atenção à saúde na plataforma, definiu a necessidade de SESMTs em terra e a bordo das embarcações e criou a CIPLAT (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes em Plataformas).Para saber mais detalhes sobre o processo de elaboração da legislação, percepções do conteúdo finalizado e pontos que acabaram não sendo incluídos devido à falta de acordo tripartite, a reportagem de Proteção conversou com integrantes do Grupo Tripartite Temático responsável pela NR. Eles e outros profissionais experientes no segmento também falaram sobre as contribuições que a norma traz para a gestão de segurança e saúde em plataformas no Brasil e o que esperam para quando ela entrar em vigor ao final deste ano.

Há quase 35 anos, ocorria no Brasil o que é considerado até hoje o pior acidente de trabalho envolvendo plataformas de petróleo. Na ocasião, uma explosão na plataforma de Enchova, na Bacia de Campos, causou a morte de 37 trabalhadores e deixou outros 19 feridos. Outro acidente marcante foi o vazamento de gás na P-36, então maior plataforma do mundo de produção de petróleo que, em 2001, ocasionou uma explosão seguida de incêndio, matando 11 petroleiros. Mais recentemente, em 2015, a explosão na casa de máquinas da plataforma FPSO Cidade de São Mateus, no Espírito Santo, fez nove vítimas fatais. Mesmo ocorrendo em espaços grandes de tempo, a severidade de acidentes como esses demonstram a importância da Segurança e Saúde no Trabalho nessas plataformas de perfura-ção e/ou produção de petróleo.

Somando atualmente 149 embarcações em operação no País, elas se dividem em fixas e flutuantes (ou semissubmersíveis) e apresentam um cenário complexo, expondo os trabalhadores há diversos riscos. Além disso, exigem atuação das equipes por 14 dias consecutivos, com revezamento semanal de turnos.

Há quase 10 anos, esses pontos eram legislados pelo Anexo 2 da NR 30 (Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário) e, mais recentemente, a publicação da NR 37 promete mudanças. Aprofundando muito o cenário encontrado nas plataformas e os cuidados que devem ser tomados pelos empregadores e trabalhadores na prevenção de acidentes e doenças, a norma passa a valer no final deste ano, dando o período de um ano para adequação dos ambientes de trabalho.

Tendo se tornado a maior das Normas Regulamentadoras, ela ampliou pontos que já eram abordados, trazendo também tópicos inéditos de questões importantes no segmento. Mas de que forma essas atualizações devem contribuir com a gestão de SST nas plataformas? E, devido às turbulências no cenário político, há chances de que a nova norma seja reduzida antes mesmo de entrar em vigor?

PERIGOS

Afirmando que as plataformas de petró-leo apresentam uma dinâmica operacional intensa, o médico do Trabalho Newton Richa observa que esse ambiente laboral é caracterizado por numerosas atividades de alto risco sendo desenvolvidas simultaneamente e com grande proximidade. Ocorrendo frequentemente em espaços confinados, onde há limitações na renova-ção do ar ambiente. “Nessas embarcações pode haver exposição múltipla a agentes físicos como ruídos, vibrações, radiações ionizantes e não ionizantes e campos eletromagnéticos; e químicos, presentes em substâncias inflamáveis, explosivas, asfixiantes, corrosivas, cancerígenas e alergizantes, entre outras”, alerta. Além destas, ele cita a presença dos agentes biológicos em forma de vírus, bactérias, fungos e outros parasitas, que podem ser transmitidos de pessoa para pessoa ou por meio da água e alimentos contaminados. Sem esquecer dos riscos ergonômicos, apresentados em situações como posturas inadequadas e esforços excessivos realizados no transporte de cargas.

Com 29 anos de experiência no setor de óleo e gás, o médico do Trabalho Michel Haddad explica que a exposição nestes ambientes está intrinsicamente ligada à atividade desempenhada pelos trabalhadores. Sendo que, nas embarcações voltadas à sondagem, com atividades de perfuração de poços, são comuns as funções de plataformistas e sondadores; e, nas plataformas que se dedicam à produção, a demanda maior é por técnicos de operação. Além da necessidade de colaboradores comuns às duas funções, como mecânicos, técnicos de manutenção, cozinheiros, ajudantes de cozinha, taifeiros, dentre outros. “Por exemplo, em relação aos plataformistas, sondadores e técnicos de operação, a exposição a níveis de pressão sonora é uma preocupação presente, enquanto que, para a equipe da cozinha, situações comumente encontradas estão relacionadas mais ao conforto térmico”, identifica o médico.

TRABALHO EM TURNOS

A jornada de trabalho diferenciada dos colaboradores que atuam em plataformas apresenta desafios em relação à seguran-ça e saúde. Funcionando de forma ininterrupta, elas contam com equipes que atuam durante 12 horas, alternando seus turnos semanalmente, durante 14 dias consecutivos. Diretor do Departamento de Saúde e Segurança do Sindipetro/NF (Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense), Sérgio Borges Cordeiro, relata que, na Petrobras, os funcionários pró-prios folgam 21 dias após ficarem embarcados. “Já os terceirizados ficam 14 dias e folgam 14, podendo também trabalhar em sistemas de turnos”, revela Sérgio, que é mecânico industrial e funcionário da empresa.

Esclarecendo que o trabalho em turnos pode acarretar diversos problemas em relação à saúde dos colaboradores, principalmente o noturno, a doutora em Saú-de Pública Frida Marina Fischer chama a atenção para o chamado ‘dia da virada’, em que ocorre a troca de turnos entre as equipes. “Pessoas que trabalham à noite tendem a apresentar estresse resultante da perturbação dos ritmos biológicos, causado pelo trabalho em turnos e lenta ressincronização destes ritmos às mudan-ças do ciclo vigília-sono”, cita.

Outros efeitos à saúde recorrentes aos colaboradores que atuam em turnos, em jornadas irregulares e extensas, segundo ela, são períodos de sonolência excessiva durante o trabalho, alterações funcionais de vários sistemas biológicos, repercussões psíquicas, fadiga crônica, provável envelhecimento funcional precoce ou desenvolvimento precoce de doenças crô-nicas. “Trabalhar em turnos também traz problemas gastrointestinais com frequência. Ainda, existem problemas metabólicos que podem levar à obesidade mesmo que a pessoa não coma a mais, visto que existe um desequilíbrio entre os hormô-nios do apetite e da saciedade”, pontua. Frida cita também as repercussões no trabalho, como dificuldades em manter a atenção, interpretar dados durante perí-odos de sonolência e tomar decisões durante situações não rotineiras; alterações de memória; e ocorrência de incidentes no trabalho.

CARÊNCIAS

Além dos riscos intrínsecos ao trabalho em plataformas de petróleo, Sérgio destaca a redução do efetivo atuante a bordo das unidades, o que acaba sobrecarregando os trabalhadores, eosucateamento das embarcações, que compromete a integridade das instalações e pode gerar, segundo ele, acidentes ampliados. “Já recebemos denúncias de trabalhadores sobre equipes que tinham oito empregados e hoje estão com dois, pessoas sozinhas em turnos noturnos, integrantes de equipes de emergência cumprindo várias fun-ções no plano de resposta e profissionais assumindo diversas tarefas que simplesmente foram extintas. Sem falar no número elevado de adoecimentos que não são reconhecidos pelas empresas como hipertensão, intoxicação, câncer e doenças de ordem psicossocial”, pontua o diretor do Sindipetro/NF. 

Equipamentos inoperantes ou funcionando de forma precária, pisos oxidados e falta de Equipamento de Proteção Individual também estão na lista de denúncias recentes, segundo ele. “Soubemos de uma unidade em que o gerente da plataforma informava no briefing de segurança que, para não correrem risco de queda devido às condições completamente enferrujadas, as pessoas não podiam segurar em alguns corrimões. Isso é um absurdo, já que a função do corrimão é evitar o risco de queda em escadas”, acrescenta. Convidada a participar da reportagem, a Petrobras preferiu não se manifestar. O motivo, de acordo com a empresa, é a atual instabilidade política referente às normas relacionadas à Segurança e Saúde no Trabalho.

Integrando o Grupo de Trabalho Tripartite que elaborou a versão final da NR 37, participando da bancada dos trabalhadores, Sérgio afirma que as questões acima listadas, além de outras, foram contempladas no texto da nova norma. “A construção da NR 37 foi uma experiência ímpar. Tivemos um altíssimo nível técnico de discussões e um esforço muito grande de todas as partes, que entenderam que a atual legislação estava muito ultrapassada. Se tornou a norma mais extensa de todas as NRs, muito mais detalhada, robusta e tecnicamente embasada”, garante Sérgio. Segundo ele, esta legislação é um presente para a sociedade brasileira, visto que cria uma série de requisitos mínimos para o sistema de gestão de SMS das empresas que atuam em plataformas no País.

ATUALIZAÇÕES

Integrante da bancada de governo, Gilson Di Luccas também comemora a norma, afirmando que ela ficou mais abrangente, abordando a maioria dos riscos à segurança e saúde do trabalhador de uma plataforma de petróleo. “Foram criados tópicos como treinamentos de segurança obrigatórios para todos os trabalhadores.

Fonte: Revista Proteção