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Perícia sem perícia?

A perícia como matéria de fato depende essencialmente de um fato para que possa ser realizada. Se o fato não mais existir, não há como realizar a perícia, por perda de objeto. Assim, a perícia se incumbe de observar um fato e retratá-lo em forma de laudo, colocando ao final sua opinião técnica.

No entanto, temos notado uma condição isolada que está cada vez mais se repetindo na Justiça do Trabalho, que é a realização de perícias de insalubridade e periculosidade nas dependências do Fórum Trabalhista. Juízes trabalhistas determinam que os peritos judiciais realizem as perícias de insalubridade e periculosidade sem, efetivamente, visualizar o local de trabalho do reclamante.

Ora, é essencial que a perícia vistorie o local de trabalho do reclamante para colher elementos de convencimento à conclusão pericial. É impossível exclusivamente a partir dos relatos das partes idealizar o ambiente de trabalho com todas as suas peculiaridades. É preciso salientar que as narrativas das partes, que são leigas, não servem como indicativos à perícia.

Sempre pergunto aos médicos se é possível fazer perícia num falecido e, a resposta é: na melhor das hipóteses, só é possível fazer uma necrópsia, mas perícia médica não é possível… No entanto, os engenheiros são compelidos a fazer perícias em locais onde nunca pisaram.

FALTA DE AVALIAÇÕES

Aprofundando a questão, não há como validar uma perícia realizada no saguão do Fórum Trabalhista, visto a falta de avaliações qualitativas e quantitativas do ambiente laboral do reclamante. Como será possível afirmar que o reclamante esteve exposto a este ou aquele agente em intensidade ou concentração acima dos limites de tolerância? Por mais esfor-ço que as testemunhas façam, é impossí-vel estimar a exposição que sofria o autor em seu ambiente de trabalho.

No caso dos agentes avaliados de forma quantitativa, tais como ruído, calor, radiações ionizantes, vibrações ou agentes químicos, como se fará a perícia para avaliar tais agentes à distância? Assim, por si só, o reclamante ficaria privado da avaliação de tais agentes, podendo ter o resultado de sua perícia prejudicado.

Para os agentes avaliados de forma qualitativa, a exemplo das radiações não ionizantes, frio, umidade, agentes químicos e agentes biológicos, a situação não é muito diferente e, ainda que não seja obrigató-ria sua mensuração, a avaliação qualitativa não é um cheque em branco dado na mão do perito para que caracterize como insalubre qualquer situação, mas tão somente aquela, cuja natureza e intensidade do agente e tempo de exposição culminem em exposição nociva ao empregado, nos termos do artigo 189 da CLT.

A periculosidade caracterizada à distância também poderia gerar inúmeros questionamentos, a exemplo de: a cabine primária possuía ou não todos os requisitos de segurança? Os inflamáveis existentes estavam ou não em condições de risco acentuado? Qual tipo e quantidades de explosivos havia no paiol?

Assim, seja insalubridade, seja periculosidade, impossível é a manifestação da perícia sobre a existência ou não de enquadramento para o caso concreto sem a observação in loco do ambiente de trabalho.

Desta forma, com observância à qualidade pericial, não é possível a realização de perícias no saguão do Fórum Trabalhista, ainda que seja numa confortável sala, pela impossibilidade material de avaliação do local de trabalho do reclamante.

PERDA DE OBJETO

Recentemente foi invalidada perícia realizada em data na qual não se refletia a condição real de trabalho do reclamante (PJE 0000251-31.2017.5.12.0012). A perícia deve ser realizada em condições reais de trabalho daquelas enfrentadas pelo reclamante. Claro que num período de crise, como está passando o país neste momento, grande parte das empresas está com o movimento reduzido ou sem qualquer atividade e, nesta situação, não há como realizar uma perícia.

O ideal é que se respeite, inclusive, o horário de trabalho do reclamante. Assim, não é possível a realização de uma perícia de um vigia noturno durante o dia. Já enfrentamos situação análoga em que o reclamante era motorista de ônibus de empresa de transporte urbano de passageiros. Durante os trabalhos periciais, o reclamante postulava que as avaliações de ruído e vibrações fossem realizadas no mesmo veículo em que laborou ou em veículo do mesmo modelo e ano. As empresas de transporte substituem sua frota a cada cinco anos e, na data da perícia, já não haveria veículos do modelo e ano conduzidos pelo autor. Retornamos em juízo e devolvemos os autos por perda de objeto.

Há ainda outra situação bastante discutível em termos de perícia. Como realizar a perícia num ambiente que se encontra descaracterizado? Um ambiente laboral pode se descaracterizar pelo encerramento de atividades da empresa, por transferência ou mudança de local, pela modificação total ou parcial do ambiente, pela terceirização da atividade etc. A situação é bem parecida com a anterior e vale citar o primeiro parágrafo deste artigo: se o fato não existir mais, não há como realizar a perícia, por perda de objeto. Infelizmente a perícia não tem como utilizar o “túnel do tempo” para voltar ao passado e vistoriar aquele ambiente que não existe mais.

Um exemplo clássico é a realização de uma perícia de um profissional da construção civil, em obra que já tenha finalizado. Tecnicamente não há o que fazer e tentar realizar a perícia por analogia ou de forma indireta, sempre estará vulnerável à veemente impugnação das partes. Através da OJ 278, o TST determina que: “OJ-SDI1-278 Adicional de Insalubridade. Perícia. Local de Trabalho Desativado (DJ 11.08.2003). A realização de perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade. Quando não for possível sua realização, como em caso de fechamento da empresa, poderá o julgador utilizar-se de outros meios de prova”.

DISPENSA DA PROVA

Assim, no caso da impossibilidade da produção de prova pericial, poderá o Juiz se utilizar da prova documental, testemunhal ou mesmo confissão para formar sua convicção. No entanto, tal faculdade é apenas do Magistrado, não cabendo ao perito, por sua conta e risco, buscar outras provas e, por meio destas, compor uma prova pericial. Ademais, por força do artigo 472 do CPC, “o juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes”. E, novamente fica patente que a dispensa de prova pericial e utilização de prova emprestada é exclusiva do Juiz e não do perito judicial.

Finalmente, considerando que à perí-cia cabe opinar tecnicamente quanto à matéria de fato, deve o perito judicial se abster de realizar perícia nas situações em que não houver fato a ser observado. Podendo realizar a “perícia indireta” somente mediante a determinação judicial e, ainda assim, tendo a máxima cautela em não se desviar de sua posi-ção técnica. Dispensável lembrar que o parágrafo 1º do art. 464 do CPC dispõe que o Juiz indeferirá a perícia quando a verificação for impraticável.

Fonte: Revista Proteção