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INOVAÇÕES DE VALOR

Há algumas décadas, um dispositivo eletrônico que armazenasse as informações dos funcionários era apenas um sonho distante. Hoje, as tecnologias não só comportam os dados pertinentes à saúde e segurança dos colaboradores, mas também os riscos existentes nos ambientes laborais onde eles estão inseridos. Mais do que isso, a ‘máquina’ analisa essas informações por conta própria, apontando possíveis falhas e medidas preventivas. Esse é apenas um exemplo de como as evoluções tecnológicas têm impactado, não só na produtividade das empresas, mas na área de Segurança e Saúde no Trabalho. Seja por meio de inteligência artificial, realidade virtual e aumentada, wearables (tecnologia vestível), drones, entre outros, o fato é que, na medida em que vão sendo implantadas nas empresas, essas inovações têm mudado as relações de trabalho e as formas de se trabalhar. Durante esse período de transição, em que tudo é novidade, os profissionais do SESMT são desafiados a buscarem os conhecimentos necessários para a adoção dessas ferramentas de forma adequada, além de avaliarem se elas colaboram de fato para um ambiente de trabalho mais seguro e saudável. Buscando entender como está o cenário brasileiro em relação ao assunto, a reportagem conversou com prevencionistas, instituições que fomentam a evolução nas indústrias e fornecedores dessas tecnologias. Também apresentamos cases de empresas de diferentes setores que têm encontrado na modernização meios de diminuírem a exposição de seus colaboradores aos riscos.

Que tal expor o trabalhador ao ataque de um enxame de abelhas durante treinamento de manutenção em rede de distribui-ção de energia elétrica? Afinal de contas, é muito comum que isso aconteça no seu dia a dia de trabalho. Essa situação pode parecer inconcebível para muitos, mas já é prática comum na Celesc (Centrais Elé-tricas de Santa Catarina S.A.), maior empresa de comercialização e distribuição de eletricidade de seu estado. Isso graças ao treinamento em realidade virtual que tem sido oferecido para os colaboradores desde o ano passado.

Assim como ela, outras empresas têm investido no uso de tecnologias em prol da Segurança e Saúde no Trabalho. Os meios são muitos, como o gêmeo digital, um modelo virtual do chão de fábrica que possibilita a realização de simulações das atividades dos trabalhadores e melhorias ergonômicas dos postos de trabalho; exoesqueletos que reduzem o esforço muscular dos operadores nas linhas de produ-ção; ou uma plataforma que acompanha o colaborador em tempo real, informando, não apenas sua localização no canteiro de obras, mas se tem permissão para estar naquela área, os equipamentos de proteção utilizados e os treinamentos exigidos pelas Normas Regulamentadoras.

Mas, como toda novidade, o assunto ainda levanta questionamentos, não apenas dos empresários e profissionais mais tradicionais, mas daqueles que resolveram testar as soluções que têm sido disponibilizadas no mercado. Será que as empresas brasileiras estão preparadas para aderirem aos novos tempos? Ou estarão apenas expondo seus trabalhadores a novos riscos? O alto custo para a implantação dessas inova-ções e as atividades em que podem ser empregadas também são pontos de discussão.

NOVO CENÁRIO

Pontuando que a sociedade está vivenciando a quarta Revolução Industrial, o gerente consultivo da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), José Luiz Pedro de Barros, afirma que o emprego das tecnologias na gestão da Segurança e Saúde no Trabalho é uma realidade que não pode ser ignorada. “Hoje existe uma enorme demanda legal, emanada das NRs, que exige que o empregador capacite seus empregados para a execução de suas tarefas. Usar a tecnologia para esse fim aumenta a efetividade do aprendizado, reduz a exposição aos riscos das opera-ções e facilita o processo de avaliação da aprendizagem. Além disso, a aplicação da tecnologia nos sistemas de gestão de SST também é bem-vinda, pois facilita o dia a dia do profissional da prevenção e aumenta a precisão das medidas de controle”, cita o engenheiro de Segurança do Trabalho. O gerente do Centro de Inovação do Sesi de Santa Catarina, Eloisio Andrey Bergamaschi, chama atenção para como a interconectividade e o uso de novas tecnologias para automação e troca de dados – como sistemas ciber-físicos, internet das coisas e inteligência artificial estão sendo aproveitados nos ambientes laborais para a gestão da saúde dos trabalhadores. “Ao se identificar a realidade e necessidade de cada indivíduo, é favorecida a atuação preventiva de doenças e, consequentemente, têm-se um potencial grand e de impacto na redução de custos com saúde. A aplicação dessas tecnologias também é uma tendência em programas de segurança, otimizando a gestão e o monitoramento de riscos ao trabalhador”, observa.

No setor da construção civil, a consultora de SST da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), Lígia Correa da Silva, percebe como primeira vantagem, a velocidade e disponibilidade das informa-ções. E, em segundo, o monitoramento administrativo e operacional dos processos, seguido pela redução de imprevistos nas etapas da obra, detecção e correção de falhas, controle de perdas e desperdícios, redução de custos, aumento da produtividade e redução de acidentes, dentre outros.

REALIDADE VIRTUAL

Responsável por 62 unidades entre plantas industriais e centros de pesquisa e desenvolvimento distribuídos no México, Colômbia, Chile, Argentina e Brasil, o gerente de Segurança, Saúde e Meio Ambiente da DuPont para a Região da América Latina, Anis Saliba observa a inserção das tecnologias na área de SST como uma tendência natural, visto que seu uso tem avançado em praticamente todas as esferas. Quanto à sua aplicabilidade, o engenheiro de segurança percebe que é bastante ampla, desde sistemas integrados de informações para a gestão do cotidiano até aplicativos específicos que visam agilizar ou facilitar processos ou tarefas internas, como a inspeção diá-ria de uma empilhadeira. “Percebo maior valor em aplicações que aumentam a qualidade da ação em SST. Um exemplo são ferramentas de simulação de cenários de alto risco, com dispersões tóxicas, explosões, incêndios. Esses aplicativos não são novos, mas com as modernas tecnologias, as ferramentas de antecipação/simulação se tornam muito ricas para a tomada de decisões”, sublinha.

Nesse contexto, o que está começando a ser adotado nas empresas são os simuladores virtuais para o treinamento de seus funcionários. Segundo o CEO da agência de realidade virtual Casa Mais, Fábio Costa, a tecnologia ainda está em fase experimental no país e traz como vantagem colocar os funcionários diante de situações críticas, imersos aos mais diferentes cenários por meio dos óculos VR (óculos de realidade virtual), sem expô-los a qualquer tipo de perigo. O método pode ser utilizado nos mais variados setores, desde capacita-ções para cipeiros até para trabalhadores que desenvolvem atividades em espaços confinados.

Conforme a técnica em Segurança do Trabalho e engenheira de produção Izabel Cristina Ritter, este tipo de recurso possibilita, se necessário, que o treinamento seja visto várias vezes proporcionando uma capacitação mais eficaz. Permite, ainda, que se observe as reações dos trabalhadores em situações críticas. O tópico foi abordado em pesquisa acadêmica da engenheira e, conforme observou, os resultados têm sido positivos, sendo que a redução no tempo dispendido com treinamento foi um dos destaques, ficando em torno de 60 e 80% dentre os participantes do estudo. Em relação ao número de acidentes de trabalho, uma das empresas chegou a relatar uma redução de 57% após o treinamento utilizando o simulador virtual. “Do ponto de vista dos colaboradores, todos opinaram favoravelmente à utilização da realidade virtual. Declararam ter assimilado mais informações e avaliaram o conteúdo como muito completo”, complementa Izabel.

ROBÔS VOADORES

Outro campo citado por Saliba como de valor para a SST é o uso de dispositivos que eliminam tarefas de risco, como a utilização de drones para inspeções em locais de difícil acesso. Após atuar por mais de 30 anos na indústria de petróleo e gás, o engenheiro de segurança Milton Lacerda também percebe no veículo aéreo não tripulado uma oportunidade de diminuir a exposição ao risco do trabalhador durante atividades de inspeção, vigilância e atuação em emergências. Com esta nova tecnologia elimina-se a necessidade de enviar trabalhadores para terrenos difíceis ou complexos ou ambientes que possam expô-los a perigos e/ou produtos químicos perigosos, além de economizar tempo e recursos das empresas. “Criada para fins militares e depois implementada na área de lazer, essa ferramenta é um meio mais econômico e eficiente para detectar a localização precisa de vazamentos durante a inspeção de um flare de 100 metros de altura em uma plataforma onshore, por exemplo”, explica Lacerda. Utilizando câmeras térmicas, a tecnologia também consegue rastrear falhas de revestimento em equipamentos aquecidos, perdas de contenção de produtos perigosos, perdas térmicas em dutos, fragilidades estruturais, etc.

Reforçando que os ‘robôs voadores’ não substituem os colaboradores, o especialista pontua que o equipamento apenas registra as situações a serem analisadas pelos profissionais de SST e demais encarregados para o desenvolvimento de ações corretivas. Contudo, ainda não existe no mercado um drone que seja intrinsicamente seguro. “O usuário não pode utilizar o equipamento em uma nuvem de gás, pois ele pode ser fonte de ignição e causar uma explosão, principalmente em espaços confinados”, alerta. Outros desafios apontados são o curto tempo de voo, o efeito sob condições climáticas desfavoráveis, principalmente em drones mais leves.

Na Petrobras, o equipamento já vem sendo adotado para inspeção e monitoramento de equipamentos e instalações, acompanhamento de implantação de empreendimentos (instalações industriais e projetos lineares), inspeção de faixa de dutos, torres e flares, apoio a simulados e ações de emergência, monitoramento e avaliações ambientais, registros aerofotográficos de áreas e instalações, vigilância patrimonial, entre outros. “Começamos a experimentar com o objetivo de deixar de expor o operador a certos riscos, atividades de trabalho em altura, em condições mais críticas ou áreas inóspitas. Além de melhorar a segurança dos colaboradores, eliminando ou diminuindo ao máximo sua exposição aos riscos, também ganhamos precisão no trabalho”, conta o técnico de manutenção sênior João Bullos.

DESAFIOS

Segundo Lígia, da CBIC, o uso dos ‘robôs voadores’ já faz parte do serviço em muitos canteiros de obras, sendo tão comuns quanto uma grua, capturando a realidade em tempo real e permitindo o acompanhamento da execução das atividades e, até mesmo, favorecendo tomadas rápidas de decisão para correção de uma não conformidade. Assim como os tablets, que estão na mão dos trabalhadores e gestores, com softwares que permitem a realização de check lists de atividades e equipamentos que garantem a segurança antes do início das tarefas. “O grande desafio para a aceitação das novas tecnologias é a heterogeneidade do setor. O maior gargalo é a sensibilização para implantação de uma nova cultura junto à equipe que trabalha nos canteiros, que muitas vezes permanece nos processos manuais e arcaicos”, explica Ligia. Além disto, ela ressalta que a construção civil ainda tem grande parte de seus trabalhadores analfabetos funcionais. A disposição das empresas em investir em tecnologias voltadas à Segurança e Saúde no Trabalho é outro desafio a ser superado. Para Bergamaschi, do Sesi/SC, os empregadores precisam compreender que o aparente custo extra valerá a pena a longo prazo. “Empresas maiores já perceberam os ganhos do uso de tecnologias em SST e acredito que sua aplicação deva aumentar gradativamente em indústrias de todos os portes. Mas, para que a implantação seja realizada de forma proveitosa, é importante que a organização conheça bem suas necessidades e busque ferramentas adequadas à sua realidade”, orienta. Percebendo cenário similar nas empresas que fizeram parte do seu estudo, Izabel afirma que mesmo obtendo resultados positivos no seu primeiro contato com as inovações, muitas empresas não deram.