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Gentileza gera gentileza

Saudades dos tempos de cadeiras na calçada quando a gente podia juntar amigos e vizinhos para jogar conversa fora. Há muito que a violência urbana inviabilizou essas cenas e parece que a sua escalada é uma epidemia, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Diariamente somos bombardeados com notícias sobre atos violentos que provocam choque e indignação. E não é de hoje que esta onda invadiu os locais de trabalho.

Segundo dados da Previdência Social, entre 2015 e 2017 foram 16.811 casos notificados de agressão no trabalho, para os quais foi concedido o benefício de auxílio-doença acidentário. Pelos dados publicados, não é possível identificar se os trabalhadores foram agredidos por outro colega de trabalho; por terceiros, como é frequente em serviços de saúde; ou como resultado de uma ação criminosa, como ocorre com bancários vítimas de assaltos a agências e sequestros. O fato é que estamos falando de quase cinco benefícios concedidos por dia, cerca de 10% de todos os benefí-cios por transtornos mentais relacionados ao trabalho.

Ainda é preciso considerar que esses são apenas os dados oficiais, deixando margem para nossa imaginação se somarmos as agressões cotidianas que não são valorizadas e, por isso, não identificadas. Alguns dados realmente preocupam. Segundo o Mapa da Violência 2015 (disponível em www.mapadaviolencia.org.br), foram 221.968 casos de violência contra mulheres no ambiente de trabalho – cerca de 9% do total de casos contra mulheres, apenas em 2013.

Considerando esses dados e preocupado com o cenário atual de nossa sociedade, o Programa Trabalho Seguro, iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho, escolheu o tema “Violência no Trabalho – Enfrentamento e Superação” para orientar as ações organizadas pela Justiça do Trabalho em todo o país, de 2018 a 2020. O assunto foi escolhido para conscientizar a sociedade da importância de combater práticas que ocorrem no ambiente do trabalho e que podem resultar em problemas físicos e psicológicos.

PROBLEMA GLOBAL

E este não é um tema só nosso. Ações de prevenção contra a violência no trabalho também são discutidas em outros países. Em 2009, o Canadá publicou um standard específico sobre o tema. Segundo ele, violência no trabalho é entendida como qualquer ação, conduta, ameaça ou atitude de uma pessoa em relação a um trabalhador, em seu local de trabalho, que possa causar dano, ferimento ou doença. A partir dessa definição, também se pode inferir que ameaças ou atitudes, geralmente, não incluem contato físico e, portanto, não causam danos físicos, mas podem resultar em danos psicológicos.

No Brasil, talvez a face mais visível da violência no trabalho seja o assédio moral, que é entendido como a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinados, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização. Pressupõe repetição sistemática, intencionalidade, direcionalidade, temporalidade e degradação deliberada das condições de trabalho.

BOM EXEMPLO

Mas, o que pode ser feito a respeito para evitar a violência no trabalho? Como em outras medidas preventivas, a liderança pelo exemplo faz toda a diferença. Os canadenses sugerem:

  • o estabelecimento de uma política, construída coletivamente, na qual o empregador assuma seu compromisso em promover um ambiente de trabalho livre de qualquer forma de violência. Isso inclui esclarecer que situações de bullying, assédio, provocações, comportamento agressivo não serão toleradas;
  • assumir o compromisso de compartilhar com os trabalhadores qualquer informação sobre os fatores que contribuem para a violência no trabalho;
  • assumir o compromisso de apoiar trabalhadores que foram expostos à violência;
  • estabelecer procedimentos a serem seguidos caso um trabalhador sofra violência no trabalho, incluindo uma cadeia de ajuda com telefone e atendimento específico para esta finalidade. E não se trata “apenas” de fazer a coisa certa porque é ético. Investir na prevenção da violência é importante também por razões menos nobres, mas não menos importantes.

Violência e abusos estão relacionados à queda na produtividade devido à perda de engajamento dos trabalhadores para com a organização. Chefes produzem trabalhadores desmotivados através de uma série de ações:

  • afastando-se de uma conversa porque perdem o interesse;
  • atendendo chamadas no meio de reuniões sem sair da sala;
  • zombando abertamente das pessoas, apontando suas falhas ou peculiaridades de personalidade na frente dos outros;
  • lembrando seus subordinados de seu “papel” na organização e da posi-ção de poder do chefe;
  • levando o crédito pelas vitórias, mas apontando o dedo para os outros quando surgem problemas.

Os prejudicados por esse comportamento são os trabalhadores e, ao invés de compartilhar ideias ou pedir ajuda, eles recuam e se intimidam, deixando de contribuir com todo seu potencial.

EMPATIA

Em resumo, mais do que recursos financeiros, é preciso investir tempo e energia na construção de relações de respeito em que haja empatia e tratamento justo, um ambiente que promova a segurança física e psíquica das pessoas, e do qual todos queiram fazer parte. Não é pouca coisa, é verdade. Bem como também é verdade que é possível, se tivermos empatia e cuidado no trato com as pessoas.

E o que você e eu podemos fazer diante deste imenso desafio? Sugiro que comecemos por mudar nossa atitude com nossos colegas. Parece ser verdade que “gentileza gera gentileza” e o momento para começar a ser gentil é agora. Comecemos com pequenos grupos de trabalhadores que estão perto de nós, reconhecendo seu trabalho diariamente e usando as palavras má-gicas que nossas mães e avós nos ensinaram: parabéns, por favor, obrigado, bom trabalho. Se possível, vamos ampliar o diálogo sobre o assunto com grupos maiores, identificando fatores de risco para a violência no trabalho e também oportunidades de melhorar as relações interpessoais. E se você for um líder, seu tempo é ontem. Dê o exemplo já porque as pessoas tendem a seguir comportamentos e atitudes dos líderes. Melhor do que uma gestão baseada no medo e na humilhação, é poder ser uma inspiração para as pessoas. Vamos tentar?

Fonte: Revista Proteção