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Futuro das NRs em debate

Ao mesmo tempo que o Governo Federal colocou em polvorosa o meio prevencionista, com um anúncio impactante de corte de 90% da legislação voltada à área de Segurança e Saúde do Trabalho, o discurso e a prática da Secretaria de Trabalho desde o início do ano (e que vem ao encontro do discurso que já havia no Ministério do Trabalho desde 2018) é de modernização e harmonização das NRs (normas regulamentadoras). Simplificar o entendimento para o cumprimento por parte dos empregadores sem perdas para a proteção dos empregados é o principal objetivo anunciado. A recente contradi-ção entre palavras e ações, no entanto, vem sendo motivo de preocupação ou de cautela e busca de melhor compreensão no setor. Outro assunto que vem gerando polêmica é a possível alteração do cronograma para o início dos eventos de SST no eSocial (leia mais em eSocial deverá ser adiado, na página 26).

Uma sucessão de fatos nos últimos meses ligou o radar no meio prevencionista. Já no lançamento da Canpat (Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho) 2019, em 3 de abril, o secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, discursou que uma das áreas de foco de sua pasta é a simplificação das NRs (além da atuação preventiva, otimização da atuação da fiscalização com tecnologia e reestruturação da Fundacentro). Na ocasião, tais afirmações já geraram alguns questionamentos e dúvidas, que foram aumentados posteriormente com o Decreto Presidencial nº 9.759, publicado em 11 de abril, extinguindo, a partir de 28 de junho, colegiados da administração federal com participação social, incluindo entre eles as comissões tripartites que elaboram e revisam as NRs.

No mês seguinte, os temores aumentaram, pois, na abertura do 31º Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos, em 9 de maio, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogé-rio Marinho, afirmou que as NRs passarão por um amplo processo de modernização, o que inclui “desburocratização, desregulamentação e simplificação das regras para criar um ambiente propício, acolhedor e saudável para quem vai empreender”. Na ocasião, chegou a caracterizar a normatização como bizantina, anacrônica e hostil e acrescentou que o empresariado chega a ser submetido a 6,8 mil regras distintas de fiscalização e que a ideia é reduzir isso em 90%. Seu discurso foi endossado posteriormente pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, nas redes sociais.

MANIFESTAÇÕES
Consequentemente, diversas entidades manifestaram preocupação com as afirmações e publicaram notas em defesa das NRs como importantes ferramentas para a prevenção contra doenças e acidentes ocupacionais no Brasil. Entre elas, Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) ressaltam que as normas cumprem, no campo laboral, “a função constitucional de tutela da pessoa humana”. Também por meio de nota, o Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho) se manifestou: “(…) Se para o empreendedor é desejável encontrar um ambiente acolhedor para seus negócios, para os trabalhadores é um direito constitucional encontrar um ambiente de trabalho livre de riscos de acidentes e adoecimentos, o que não se verifica em grande parte das empresas brasileiras. (…)”

Para a presidente da Anamt (Associa-ção Nacional de Medicina do Trabalho), Marcia Bandini, além de serem importantes para garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável nos diversos setores produtivos, as NRs estão em consonância com o que é praticado em todo o mundo desenvolvido. “As normas nascem de padrões internacionais, das conven-ções e recomendações da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que o Brasil assumiu o compromisso de cumprir, junto com mais de 200 países que também ratificaram essas mesmas convenções”, disse ela à Agência Brasil. À revista Proteção, Marcia afirmou que a primeira reação da Anamt nesse caso é de cautela para que, antes de se posicionar, a entidade compreenda o que está sendo proposto. “Percebi um certo ruído nas declarações, que diferem das declarações da equipe técnica do Governo, e quero acreditar que é uma figura de linguagem de exagero, porque é óbvio que não há espaço para 90% de corte”, ressalta.

Na avaliação da presidente da Anamt, as normas precisam ser revisitadas e aprimoradas de tempos em tempos. Como exemplo, ela cita a NR 12 (Máquinas e Equipamentos), ilustrando que, segundo dados do Observatório Digital de SST do MPT (Ministério Público do Trabalho) e da OIT, de 2012 a 2018, máquinas e equipamentos provocaram 528.473 acidentes de trabalho, 2.058 mortes acidentárias notificadas e 25.790 amputações ou enucleações no Brasil. Com isso, se tornaram o principal agente causador de acidentes de trabalho, ocupando 15,19% dos registros feitos no período. “É óbvio que a gente não pode reduzir o nível de proteção nessa área. Por outro lado, a tecnologia de proteção também evolui, então, essa é uma norma que, claramente, de tempos em tempos, tem que ser revisitada para ser aprimorada. O que é diferente de ser revisitada para ser deformada”, defende.

Marcia lembra, no entanto, que, para que o processo de melhoria contínua das NRs seja uma realidade, “a gente não pode perder uma das grandes conquistas que tivemos no Brasil na década de 1990, que é o modelo tripartite”. Nesse contexto, ela se mostra mais preocupada com o movimento de extinção de espaços de participação social, como a CTPP (Comissão Tripartite Paritária Permanente), determinado pelo Decreto nº 9.759/2019. “Isso (tripartismo) precisa ser protegido, porque, a partir dali, do debate, da discussão técnica e da negociação, é que saem as melhores normas”, alerta.

INTENÇÃO
“Devemos ter em mente que esta afirmação com referência à redução de 90% das NRs por parte do Governo Federal é somente uma intenção, pois é impossível realizar tais alterações nessa proporção, visto que temos uma das legislações mais avançadas nas questões de SST”, avalia o presidente do Sintesp (Sindicato dos Técnicos de Segurança do Trabalho no Estado de São Paulo), Marcos Antonio de Almeida Ribeiro. Ele lembra que a implantação das NRs na década de 1970 tirou o Brasil de um índice de 17% de acidentalidade no trabalho para 2%. “Sabemos que ainda é um índice muito alto, mas tivemos um grande avanço nas questões prevencionistas”, ressalta.

Marquinhos lamenta, no entanto, que o Brasil nunca teve uma mentalidade prevencionista, porque as NRs foram implantadas sem uma preparação educacional, tanto para o setor empresarial, como para os trabalhadores, e na atualidade se esbarra nas mesmas dificuldades. “Claro que não podemos generalizar, mas ainda hoje a grande massa dos empresários considera a SST no Brasil custo e não benefício, portanto pressiona para que tenhamos redução e flexibiliza-ção nas questões de SST. E se ocorrer a precarização das condições de trabalho, sem dúvida nenhuma, teremos um grande aumento da acidentalidade em nosso País”, prevê.

“O Governo não pode mudar nada sozinho, de forma aleatória, e tampouco reduzir 90% das normas relativas à SST”, afirma o diretor de Relações Institucionais da Abratest (Associação Brasileira dos Técnicos de Segurança do Trabalho), José Augusto Silva Filho. Na avali-ção dele, o secretário Rogério Marinho e o presidente Jair Bolsonaro “estão mal–assessorados e sendo influenciados por um segmento retrógrado no Brasil”. E acrescenta: “Eles não podem e não devem falar o que dizem, pois não há fundamento algum, tanto dentro do aspecto legal, como no técnico”. Complementa que há leis que precisam ser cumpridas no que diz respeito à SST, entre elas, a Constituição Federal, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)eoCódigo Civil. Cita, ainda, a existência da PNSST (Política Nacional de Segurança e Saú-de no Trabalho), criada pelo Decreto nº 7.602/2011. “Trata-se de uma política de Estado e não de Governo. Ela referenda o Artigo 4 da Convenção nº 155 da OIT (Segurança e Saúde dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho)”, destaca.

Na opinião de José Augusto, a saída é o setor prevencionista estabelecer um diá-logo com o atual Governo e com suas respectivas secretarias e departamentos do Ministério da Economia. “Dentro de um espírito de paz e harmonia. E usarmos nossa sabedoria, inteligência e experiência acumulada ao longo desse tempo todo que estamos na área da SST”, propõe.

VÍDEO
Frente às diversas manifestações que vieram como consequência de seu discurso, o secretário Rogério Marinho divulgou na internet, em 13 de maio, um vídeo em que não fala mais sobre um corte de 90% na legislação de SST e em que garante que a revisão das NRs será feita com cuidado e de forma tripartite – com a participação do governo, empregados e empregadores – e com a assessoria e o embasamento técnico da Fundacentro, para evitar que haja impactos negativos na Segurança e Saúde dos Trabalhadores. Afirma, ainda, que a modernização e simplificação das NRs vai começar pela NR 12 e que outras normas serão revisadas ainda este ano. “O que nós queremos, na verdade, é permitir um ambiente saudável, competitivo, confortável e seguro para quem trabalha e para quem produz”, ressalta.

Fonte: Revista Proteção