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Atuação durante pandemia

No início de março de 2020 chegou a nós, brasileiros, a pandemia da Covid-19. Muitos, que anteriormente não estávamos habituados com o termo, aprendemos que pandemias são epidemias globais que se espalham simultaneamente em diversas localidades, cujas doenças a elas associadas são facilmente transmitidas de pessoa para pessoa.

De conhecimento de todos, a presente pandemia colocou o mundo em um estado de tensão e angústia nunca imaginado. Se no século passado temíamos a hecatombe nuclear, este século teve início com grandes preocupações com o aquecimento global e suas consequências. Esse parecia ser o problema mais urgente a ser tratado. Estávamos enganados.

A par dos males trazidos pela doença em si, que já ceifou milhares de vidas em todos os continentes, a economia mundial foi abatida quase “de morte”, o que trará consequências que estarão conosco por um longo período, até que possamos nos recuperar.

Trazendo o tema para a nossa área de atuação, o higienista ocupacional tem grande responsabilidade nesse grave momento e com seu conhecimento pode auxiliar empresas e a sociedade em geral a vencer os desafios que se apresentam.

ABORDAGEM

A presente ameaça origina-se de um vírus, Novo Coronavírus, que, portanto, se enquadra no rol dos agentes biológicos estudados pelos HO. Assim é que a abordagem profissional deve se iniciar, pela identificação dos perigos e riscos associados a esse agente e, para isso, devem ser considerados, dentre outros, os seguintes aspectos: susceptibilidade do hospedeiro, patogenicidade do agente, disponibilidade de intervenções terapêuticas, vacinação etc. Por exemplo, a susceptibilidade de determinados grupos, como idosos e pessoas acometidas por doenças preexistentes, imediatamente os coloca em situação delicada que merece cuidados especiais quanto à prevenção da infecção e, caso ocorra, em relação aos cuidados necessários à sua recuperação, muito mais complexos e duradouros.

Ainda sobre a identificação do risco, publicação da AIHA (American Industrial Hygiene Association), intitulada ‘O papel do higienista ocupacional em uma pandemia’ – disponível para download no site da ABHO (Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais) – sugere classificar a pandemia da Covid-19 no Grupo de Risco 4 em escala de 1 a 4. Ou seja, “os agentes causadores são capazes de provocar doenças graves ou letais para seres humanos e para os quais intervenções preventivas ou terapêuticas não estão normalmente disponíveis (alto risco individual e para a comunidade)”.

Nesse trabalho de prevenção e combate à doença, é imprescindível que o higienista ocupacional se valha de conhecimentos específicos de profissionais especializados. A abordagem necessariamente deve ser multidisciplinar. Nessa linha, em parceria com infectologistas, poderão ser conhecidas detalhadamente as formas de transmissão e, a partir delas, determinadas medidas a serem adotadas, como o isolamento social, fortemente preconizado no caso da pandemia que ora enfrentamos.

Medidas práticas que abranjam cuidados com o deslocamento dos trabalhadores mesmo antes do ingresso nas empresas, controle de entrada com medição da temperatura corporal, políticas de paralisação de atividades, eliminação de viagens, adoção de home office também serão mais eficazes quando tomadas por equipe multidisciplinar da qual faça parte o higienista ocupacional.

EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Outros pontos de primordial importância são a educação, o treinamento e a comunicação de forma geral.

Educação e treinamento são fundamentais para que os trabalhadores possam se apropriar de conhecimentos necessários a novas formas de executar suas tarefas e até mesmo a novos comportamentos que deverão passar a observar. Tais como os relativos à higienização dos locais de trabalho, ferramentas e demais dispositivos que manipulem, higiene corporal (sobretudo das mãos), utilização de EPI (sobretudo vestimentas, luvas e respiradores) etc.

Quanto à comunicação, deve ser clara e objetiva, sempre buscando evitar ansiedade e pânico entre as pessoas, o que em nada contribui para o controle da situação.

Há que se considerar ainda a importante contribuição dos higienistas ocupacionais na busca de alternativas de engenharia em conjunto com as áreas de projetos das organizações. Adequados meios para prover pressão positiva em ambientes com risco de contaminação vinda de áreas externas ou pressão negativa para conter a disseminação do vírus para o exterior, escolha criteriosa da tecnologia de ventilação a ser adotada (natural, geral, localizada etc.), definição de layout para estruturas temporárias são algumas das soluções preconizadas. Além disso, elaboração de procedimentos para garantir a segurança de pessoal de manutenção de equipamentos, muitos deles imprescindíveis para demais ações de prevenção já tomadas e mesmo para garantir que as atividades da empresa não sejam interrompidas, são igualmente relevantes. Mais uma vez, o HO deve ser parte de equipe formada por diversos outros profissionais com conhecimentos que se complementem visando à eficácia.

Embora não se constituindo em atividade corriqueira dos higienistas ocupacionais, sua participação na definição de planos de emergência é fundamental no caso de cenários associados às pandemias. Suas ações englobam cuidados internos à organização, buscando a proteção de trabalhadores e do público-alvo dos serviços das empresas, como o caso de hospitais, e outras ações de proteção junto à comunidade para evitar ou mitigar danos, como: auxiliar na comunicação com base em dados técnicos e, ao mesmo tempo de fácil assimilação, identificar, avaliar e controlar riscos em estruturas temporárias construídas por entidades públicas, auxiliar na especificação e treinamento de EPI etc.

AÇÕES MITIGADORAS

Até mesmo na avaliação de maiores e mais severos impactos sobre o negócio das organizações, a visão especializada dos HO é relevante e poderá contribuir muito com ações mitigadoras.

Ou seja, há uma vasta área na qual os higienistas ocupacionais têm a oportunidade de contribuir em casos de pandemia, demonstrando ainda mais sua competência e capacidade de buscar soluções para proteger trabalhadores, pessoas da comunidade e as próprias empresas em que atuam.

Gostaria de finalizar o presente artigo com algumas reflexões de texto que li recentemente. Nele, o professor Andrew Cunningham da Sociedade de Zoologia de Londres, estudioso das zoonotic spillover (transmissões de patogênicos de animais vertebrados para seres humanos) declara: “A causa da transmissão de doenças a partir de morcegos ou outras espécies de animais selvagens é, quase sempre, o comportamento humano que destrói os habitats naturais dos animais”.

Ainda segundo o professor Cunningham e a reitora da Universidade de Ecologia e Biodiversidade de Londres, Kate Jones, a lição a ser aprendida é que os danos ao nosso planeta podem também trazer danos às pessoas mais rapidamente e de forma mais grave do que as mudanças climáticas com às quais todos estamos preocupados. Nas palavras da professora Jones: “Não se pode transformar florestas em áreas para a agricultura sem entender os impactos sobre o clima, o aumento de carbono na atmosfera, doenças emergentes e riscos de inundações. Não podemos fazer essas coisas isoladamente, sem pensar nos impactos que terão aos seres humanos”.

Como já disse o poeta Flávio Venturini em sua belíssima canção Sol de Primavera: “A lição sabemos de cor; só nos resta aprender …”

Fonte: Revista Proteção