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Programas e análises toxicológicas auxiliam no controle ao uso de drogas nas empresas

O consumo de drogas já foi comparado à peste bubônica dos nossos tempos, lembrando aquela epidemia infecciosa que matou quase 25% da população da Europa durante a Idade Média. A comparação é mais que figurativa, pois o sofrimento e a mortalidade causados pelas drogas na sociedade moderna têm um alcance ainda mais amplo, atingindo todos os cantos do planeta. Segundo relatório das Nações Unidas, as drogas hoje são mais potentes, mais baratas e mais viciantes que há 15 anos. Na contramão, as atuações irresponsáveis da mídia festiva e setores políticos divulgam notícias fictícias contrárias de que não fazem tanto mal, legalizando a maconha, restaurando o rebite, enaltecendo e romantizando o tráfico. Nada mais longe da realidade – a epidemia de opióides nos Estados Unidos tem matado mais de 47 mil pessoas e deixado mais de 5 milhões de viciados anualmente, ao custo de mais de centenas de bilhões de dólares no tratamento, recuperação e perdas patrimoniais. No Brasil, o consumo de drogas entre motoristas, principalmente os profissionais, resultou em mais de 45 mil mortes nas nossas estradas a cada ano e mais de meio milhão de feridos e aleijados, a maioria gravemente.

ÁLCOOL

O álcool é considerado uma droga muito perigosa, porque afeta todas as partes do corpo e vicia rapidamente. É a principal substância química associada à violência doméstica e aos acidentes, sobretudo nas estradas. Mesmo o uso moderado causa lesões irreversíveis no cérebro e no sistema nervoso periférico, afetando a coordenação motora e os reflexos, a capacidade de raciocínio e a memória. O uso frequente e abusivo leva a danos irreparáveis no coração (miocardite), fígado (cirrose), sistema imunológico (levando a mais infecções), rins e nas glândulas endócrinas. É importante enfatizar que até o uso “social” provoca consequências tardias, mesmo com zero de alcoolemia. Uma experiência entre médicos nos Estados Unidos demonstrou que, após uma noitada e mesmo com bafômetro zerado, aqueles que beberam muito cometeram até 60% mais erros importantes durante cirurgia no dia seguinte. O que dizer de um caminhoneiro nas nossas estradas esburacadas dirigindo um veículo de mais de 20 toneladas! Um estudo em mais de 500 pessoas da Universidade de Oxford, publicado em junho passado, mostrou que mesmo o consumo moderado, como no happy hour, causou atrofia cerebral na área do hipocampo, afetando a linguagem, o processamento do pensamento, tendo maior risco de demência e perda de memória semelhante ao que ocorre na doen-ça de Alzheimer. Mesmo com a suspensão das bebedeiras, a recuperação foi apenas parcial. O consumo crônico do álcool aumenta o risco de câncer de boca, esôfago, fígado, mamas e intestino grosso.

MACONHA

Dizem que a maconha faz menos mal que o cigarro, porém a verdade é que a maconha tem mais substâncias cancerígenas do que 20 cigarros. Segundo as Nações Unidas, a maconha atualmente é três vezes mais forte do que há 15 anos, sendo que hoje o baseado tem até seis por cento de THC (∆9tetrahidrocanabinol)eoskunk atual contém até 70% deste. Comer bolos e biscoitos de maconha absorve mais que fumar. Tem efeito sedativo e calmante e causa alucinações, diminuindo a velocidade dos reflexos e da reação, porém também retira os freios sociais (assim como o álcool), aumentando as ações de violência e a criminalidade. Estudos neurológicos indicam que fumar um baseado tem o mesmo efeito no cérebro que a ingestão de três doses de cachaça, dobrando o risco de causar acidente fatal. Um estudo em pilotos de aviação mostrou que aqueles que fumaram maconha apresentaram muito mais erros graves e alguns menores, em especial nas primeiras quatro horas, e os efeitos persistiram por até 24 horas. O mesmo efeito aparece em motoristas de transporte pesado e de passageiros. Em adolescentes e adultos jovens de ambos os sexos, os efeitos são ainda mais graves porque leva à síndrome amotivacional, que é caracterizada pela passividade, apatia, conformismo, isolamento, introversão, perda dos ideais e das ambições pessoais, falta de emoção ou interesse pelas coisas, indiferença pelo que acontece ao seu redor, relutância e falta de cuidado na aparência, assim como diminuição das funções cognitivas como a concentração, a atenção, a memória, a capacidade de cálculo e o juízo autocrí-tico. Isto pode repercutir na diminuição do desempenho acadêmico dos jovens. Além disto, o uso crônico da maconha aumenta o risco de depressão grave em cinco vezes, de ideação suicida em três vezes, de psicose grave como esquizofrenia e distúrbio bipolar em quatro vezes. Fumar maconha aumenta em quatro vezes o risco de sofrer doença coronariana aguda. Cerca de 9 a 16% dos usuários apresentam dependência quí-mica à maconha. As lesões no cérebro demonstradas por exames de ressonância magnética em fumantes crônicos de maconha, principalmente com uso diá-rio, eram semelhantes ao de alcoólatras crônicos com áreas extensas de atrofia e hipoatividade. Estes efeitos são consequências do THC. É importante enfatizar que os benefícios terapêuticos da maconha são atribuídos ao canabidiol, que não causa dependência, alucina-ções, distúrbios de comportamento nem lesões cerebrais.

COCAÍNA E CRACK

Cocaína e crack são as drogas ilícitas mais usadas atualmente nas estradas brasileiras. Toda a cocaína do planeta vem da América do Sul – Colômbia, Peru e Bolívia. É obtida de uma planta, o Erythroxylum coca, de onde é extraída a pasta base de coca, também conhecida como oxi. Depois de refinado, purificado e peneirado, torna-se o pó branco de cocaína que todos conhecem. Uma parte significativa é muito empelotada e não consegue ser peneirada nem usada. Esta parte “impura”, que seria descartada é misturada com bicarbonato e forma-se o crack, uma droga muito mais devastadora que a cocaína. Isto porque seu efeito é mais rápido e mais intenso que a inalação ou aspiração nasal da cocaína. Para se ter uma ideia, a aspiração da cocaína demora cerca de seis minutos para iniciar os efeitos no cérebro, atingindo efeito máximo em 15 minutos e dura até uma hora. O crack atinge o cérebro em 15 segundos e efeito máximo em cinco minutos, com término em 12 a 15 minutos. Uma pedra de crack tem intensidade de ação cerca de 20 vezes maior que a inalação do pó. É por esta razão que o usuário de crack pode consumir até 20 pedrinhas num período, ficando totalmente alterado (zoeira). O crack pode levar à dependência muito rapidamente em apenas cinco experiências. É um dos vícios mais difíceis de recuperação.

Os efeitos da cocaína no usuário são de excitação, euforia, paranoia, agressividade, irritabilidade, psicose grave, como esquizofrenia, psicose maníaca, além de efeitos sistêmicos como aumento dos batimentos cardíacos, da temperatura do corpo e da pressão. É uma das principais causas de infarto agudo em pessoas abaixo de 45 anos. Os efeitos do crack são ainda mais intensos e devastadores, levando muitos dos seus usuários à morte precoce em curto espaço de tempo. A fissuração pelo crack é causa de ruína pessoal e financeira, induzindo ao crime e às doenças altamente contagiosas como tuberculose, AIDS e infecções sexualmente transmissíveis. O aumento da criminalidade, em especial o latrocí-nio, crime ou roubo seguido de morte, é diretamente proporcional à dissemina-ção do crack.

ANFETAMINAS

Anfetaminas e metanfetaminas são remédios que causam excitação e estimulação e que são usados contra depressão e controle do apetite. Estão incluídos nesta lista o rebite (fenproporex), êxtase (MDMA), bolinhas ou ice (metanfetaminas), e muitos outros. Causam euforia, excitação, agitação, paranoia, perda do sono, psicoses graves como esquizofrenia e doença maníaco-depressiva, morte precoce, além de aumento muito grave da pressão arterial e dos batimentos cardíacos, suor excessivo e febre. Muitos caminhoneiros que sofreram acidentes gravíssimos relataram que viram “uma baleia ou um navio atravessando a rodovia” ou conversavam com passageiros inexistentes. O rebite, muito usado para combater o sono com a finalidade de suportar horas-extras ao volante, era a segunda maior causa de internação por doenças mentais, depois do álcool, pelo uso de remédios no Brasil até ser proibido pela Anvisa.

DEPRESSIVOS

Entre os remédios depressivos estão incluídos os tranquilizantes e soníferos, como os benzodiazepínicos (Valium®, Rohypnol®), anestésicos (midazolam, quetamina ou super K, zolpidem), analgésicos opióides (morfina, heroína, codeína, tramadol, oxicodona), barbitúricos (fenobarbital ou Gardenal®), entre outros. Muitos destes remédios são usados para dormir ou dor intensa, de maneira a compensar os efeitos danosos após o uso de substâncias excitantes, como o rebite, crack ou cocaína. Todos causam perda dos reflexos, sonolência intensa, até coma, perda da consciência, diminuição da respiração inclusive parada respiratória. Muitos destes levam à dependência e ao vício rapidamente. Diversos motoristas ficam, então, com dois (ou mais vícios), pelo rebite e crack e por estes agentes depressores.

DETALHES QUE NÃO PODEM FALTAR

1

Toda empresa deve ter uma política e um programa para lidar com o uso de drogas e os problemas decorrentes. Deve delinear claramente a sua posição, as consequências do uso indevido ao colaborador e as medidas remediais;

2

A formação de um órgão gestor e o treinamento e preparo dos supervisores e gerentes sobre a política da empresa visam a aplicação do programa e proporcionam conhecimento sobre o assunto aos funcionários.

3

Todos os colaboradores devem ter ci-ência do posicionamento e da política da empresa, e principalmente informações sobre os riscos e consequências das drogas em sua saúde;

4

Os exames toxicológicos são essenciais ao sucesso do programa. Assim como o radar de velocidade no trânsito, sua realiza-ção tem como objetivo principal a dissuasão e inibição ao uso inicial ou continuado das drogas. Os exames toxicológicos podem ser feitos por meio da saliva, urina, cabelo ou ar expirado. Pode ser aplicado nas seguintes condições: pré-admissional, aleatório, pós–acidente, motivado ou suspeição, retorno ao trabalho ou após tratamento, alteração de função ou promoção;

5

Todo colaborador flagrado com resultado positivo deve ser submetido a uma avaliação da sua relação com a droga (se por curiosidade, dependência ou vício). Dependendo desta, será orientado e submetido ao tratamento adequado.

O QUE FAZER?
O mundo moderno é movido por remédios e drogas. Existe um destes para cada sintoma e pessoa. Está triste ou chateado? Tome um antidepressivo. Quer ir a uma balada e bombar? Tome um estimulante ou psicodélico. Quer transar? Tome um remédio para disfunção erétil. Tem problema com o chefe ou esposa? Tome um ansiolítico. Está com dor forte? Há dezenas de remédios para cada tipo de dor, física ou espiritual!

Sem dúvida, atualmente, há uma verdadeira medicalização da sociedade. E isto começa desde a infância, quando os pais oferecem ou pedem remédios toda vez que a criança chora ou reclama de dor. Estamos acostumados a não suportar a dor ou as dificuldades da vida. É mais fácil tratar os sintomas com um comprimido do que explorar as verdadeiras causas ou raízes dos nossos problemas.

A solução é estimular e fortalecer as medidas de prevenção. Apenas a repressão tem se mostrado ineficaz e até contribui para o aumento da violência. A liberação ou legalização das drogas também trouxe maiores problemas. Vejam o que aconteceu na Holanda e na Dinamarca onde o consumo era livre. Após anos de liberação, hoje não é mais possível adquirir drogas com facilidade, nem a maconha. Os estados americanos que legalizaram a maconha estão enfrentando um aumento de acidentes de trânsito e da criminalidade, com elevação dos custos de saúde. O número de crianças menores de cinco anos com presença de maconha na urina triplicou, segundo dados da revista Pediatrics, da Academia Americana de Pediatria.

Programas corporativos e institucionais têm apresentado grande sucesso no controle e na diminuição do consumo, e consequentemente na redução dos prejuízos pessoais e patrimoniais. Segundo a FIESP e AMA (American Manufacturers Association), cada real ou dólar aplicado nestes programas resulta na economia de mais de sete reais ou dólares, devido à diminuição de acidentes pessoais ou institucionais, do absenteísmo, perdas patrimoniais e furtos, de doenças profissionais e menor procura de assistência médica, de sabotagem e de conflitos internos. Como consequência, há um clima saudável de maior produtividade e com melhor qualidade e segurança.

No Brasil, há programas eficazes de controle ao uso de drogas nas empresas idea

lizados por empresas públicas e privadas que têm apresentado resultados excelentes quando aplicados. As empresas que os adotam em geral relatam diminuição de testes positivos, principalmente após dois anos de aplicação dos programas; redução nos acidentes de trabalho, no absenteísmo, nos problemas disciplinares e nos erros durante o trabalho. Também os índices de recuperação entre os usuários de drogas têm surpreendido.

Basicamente estes programas seguem etapas como a implementação de uma política voltada para o controle ao uso de drogas, o treinamento de supervisores e/ou aqueles que exercem cargos de chefia, a sensibilização dos funcionários para o tema, a realização de análises toxicológicas, o diagnóstico e o tratamento. Veja os detalhes para a implantação de um programa deste tipo em empresas no box Detalhes que não podem faltar.

É importante salientar que, salvo em funções de alto risco ou complexidade, a reabilitação dos usuários é a alternativa mais racional, humana e que faz mais sentido – recupera o indivíduo socialmente e funcionalmente, economiza nas despesas de demissão, fortalece e enaltece a imagem da empresa. Um colaborador reabilitado será sempre grato, se tornará mais leal e será um exemplo positivo aos demais colegas de trabalho.

EXAMES E MATRIZES

Atualmente, as análises toxicológicas são dotadas de altíssima precisão e sensibilidade para identificação de milhares de compostos. Os exames são realizados nas seguintes matrizes:

• Cabelo e pelos do corpo

É chamado de análise em larga janela de detecção porque consegue identificar substâncias químicas 20 dias após a exposição ou uso ou até meses depois. O objetivo é saber se a pessoa usou anteriormente ou se faz uso regular.

• Urina

É a análise de médio prazo de detec-ção, porque identifica exposição ou uso a partir de 6a8horas após e até semanas ou meses depois. Sua utilidade é ajudar na disciplina da abstinência, manter o ambiente livre de drogas nos programas corporativos, identificar os usuá-rios crônicos de drogas e os padrões de consumo. Os testes rápidos atualmente têm facilitado a realização dos exames, que só quando positivos ou melhor, não negativos, é que a amostra deve ser enviada ao laboratório para confirmação.

• Saliva

Os seus resultados indicam uso recente, desde 15 minutos até 48 horas depois. É o único que consegue correlacionar prejuízo funcional à ocorrência de um acidente ou incidente e teste antes de assumir uma função de risco. É cada vez maior o número de países que usam testes rápidos de saliva nas estradas e rodovias para auxiliar no diagnóstico das causas de acidentes ou como medida de prevenção (blitzes). Uma das grandes vantagens do teste de saliva é que não requer estrutura especial para sua realização, sendo obtida a amostra do doador em qualquer ambiente, mesmo a céu aberto.

Ar expirado

O bafômetro ou etilômetro é usado para identificar e dosar os níveis de álcool no corpo. Uma desvantagem é que requer colaboração do doador que deve soprar com certa força para conseguir um teste válido. Outras desvantagens são os custos elevados do aparelho e da necessidade de aferição e calibração anual. É importante lembrar que o teste com o bafômetro é de triagem, e requer análise do sangue para comprovação do resultado.

Informações divulgadas por órgãos do governo apontam que a Lei 13.103/2015, a conhecida Lei dos Caminhoneiros, que instituiu os exames de drogas com análise do fio de cabelo, resultou numa diminuição de 47% nos acidentes graves em nossas estradas apenas no primeiro ano de vigência. Estima-se que se associando a isto os exames toxicológicos de saliva, como se faz na Europa, os acidentes cairiam muito mais tornando-se compatíveis aos do Primeiro Mundo.

Em resumo, é importante conhecer as consequências trágicas do uso indevido, com a perda de vidas e da capacidade funcional e os prejuízos financeiros pelo uso de drogas e álcool nas estradas, no trabalho e no lar. Infelizmente, estão disseminados na nossa sociedade. Mas é possível eliminar e banir suas presenças nos locais que amamos e trabalhamos.

Para isto, é importante conhecer e identificar fatores de risco, os meios de controlar e restringir sua presença e uso e assim restaurar a paz, a saúde, a segurança e a dignidade. Os exames toxicológicos são ferramentas importantíssimas para monitorar e controlar o uso de drogas e outras substâncias psicoativas pelos motoristas, profissionais ou não, que causam tantas tragédias e sofrimento em nossas estradas, rodovias e vias urbanas. Abraçar e receber o motorista ao fim de sua jornada de trabalho deveria ser rotina e não uma esperança.

Lembremos as palavras de Gandhi: “Seja você a mudança que você quer ver no mundo.”

Anthony Wong – Diretor Médico e Chefe do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas (CEATOX) da FMUSP, membro efetivo da Academia Americana de Toxicologia Clínica, assessor do Grupo de Farmacovigilância da OMS e vice-presidente do Fórum Internacional de Testagem de Álcool e Drogas.