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O dilema de ter que conviver com desafios não superados e os riscos emergentes

Parece que o futuro do trabalho nunca foi tão incerto. Mudanças organizacionais, novas tecnologias, cadeias produtivas internacionalizadas e fragmentadas, decisão descentralizada, terceirização, informalidade. Esses e outros fatores trazem consequências para a saúde e a segurança dos trabalhadores, em especial para a saúde mental. Não por acaso, os transtornos mentais têm crescido em todo o mundo, o que nos faz pensar qual é o trabalho que o futuro nos reserva. Ou, talvez, seja melhor perguntar: qual é o trabalho que queremos no futuro?

Como nós, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) também tem se dedicado a discutir este tema. Às vésperas de comemorar seu primeiro centenário, a entidade constituiu uma comissão para analisar cenários e tendências, buscando preparar a instituição e, consequentemente, o mundo para este futuro. O relatório final será apresentado na celebração do centenário da OIT, em 2019.

Outra pesquisa da OIT, conduzida com mais de 50 mil indivíduos de 38 pa-íses, mostra como os trabalhadores atuais veem o próprio trabalho. Tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento (onde o Brasil se encontra, apesar de não ter participado da pesquisa), mais de 60% dos entrevistados disseram que gostariam de trabalhar, mesmo que não precisassem do dinheiro. Neste ponto, a colunista pede a permissão do leitor para algumas especulações.

CENÁRIO
É claro que o papel do trabalho na garantia da sobrevivência continua forte. Todos nós trabalhamos para pagar contas e, sempre que possível, melhorar nosso padrão de vida. Mas parece que nos últimos dois séculos algo mudou. O trabalho ganhou significado que pode dar um melhor sentido à vida. Naturalmente, não estamos falando de qualquer trabalho, mas de um trabalho digno, saudável e seguro.

No macro cenário, algumas tendências devem ser consideradas neste exercício de olhar para o futuro. A globalização tem trazido novos padrões de produção, em especial com aumento do setor de serviços, causando impactos significantes nas organizações e nas taxas de emprego. As mudanças tecnológicas são centrais para entender o crescimento e o desenvolvimento dos países e, igualmente, afetam o mercado de trabalho, proporcionando novas vagas que não necessariamente serão ocupadas pelos trabalhadores desempregados na atualidade. Há uma mudança na demografia da força de trabalho, com mais jovens entrando no mercado dos países em desenvolvimento, enquanto os países desenvolvidos veem sua força de trabalho envelhecer, concentração nos grandes centros urbanos e com influência dos movimentos migratórios. Finalmente, as questões ambientais precisam ser consideradas – como o aumento de temperatura e dos níveis de chuva, que afetam especialmente a produção de alimentos.

Na área de saúde e de segurança, o futuro parece mesmo nos reservar o dilema de conviver com desafios não superados, ao mesmo tempo em que temos riscos emergentes. Ou, como eu prefiro dizer, o imenso desafio de conviver com velhos problemas não resolvidos junto com novos problemas com os quais não sabemos lidar. Neste cenário, o papel dos profissionais de saúde e de segurança tem sido questionado sobre seu real valor. Discutem-se também as competências exigidas para estes profissionais, para uma atuação eficiente no presente impregnado de passado e que tem o compromisso de preparar para o futuro. Ainda não tenho respostas para todas estas questões. Penso que ainda estamos moldando o futuro que queremos e de que precisamos. Por isso, uma frase do cientista Alan Kay me parece bastante apropriada para encerrar nossa conversa de hoje: “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo”. Fica, então, o meu convite para que possamos participar da construção de um trabalho digno, saudável e seguro para todos. Cá entre nós, no atual momento em que vivemos, esta proposta é de uma grande ousadia, mas o que seria da vida sem uma boa dose de emoção? Conto com você nesta luta.

Marcia Bandini – médica especialista e professora em Medicina do Trabalho, com doutorado pela FMUSP
marciabandini@uol.com.br

Referência:
Future of Work Commission – www.ilo.org/global/topics/future-of-work/WCMS_569528/ lang–en/index.htm International Social Survey Programme 2015 – www.gesis.org/issp/modules/issp-modules–by-topic/work-orientations/2015/